Tuesday, October 11, 2005

O vazio por pouco não me cegava - Pedro Araújo

“ O vazio por pouco não me cegava. Ali no centro, ou no que poderia ser o centro se algum redor houvesse, sentava-me proscrito na teia ainda por cerzir. Um halo fétido cintilava na surdina. Os cinco sentidos difusos buscavam o seu albergue e eu cúmplice fitava-os, ainda que ofuscado pelo torpor da cegueira.
Acordo. Levanto-me rapidamente. Visto-me e saio com pressa. Não sei muito bem porque raio tenho pressa, mas neste mundo acelerado quem não tem pressa não é ninguém. A porta acaba de bater atrás de mim e eu acabo de me lembrar de que não tenho chave. Não faz mal. Chamo os bombeiros como da ultima vez. Enfrento as escadas. De súbito olho o corrimão e desafio-o para uma descida desgarrada. Mas não. Hoje não. É segunda-feira e ainda não foi encerado. Dois dentes a menos e uma radiografia de uma costela partida lembram-me e convencem-me que não é uma boa ideia descer por um corrimão por encerar. Sem alternativa, desço com todo o gás a escada em caracol. Desço com tanto gás que quando finalmente chego lá em baixo e paro para descansar já não me lembro se as acabo de descer ou se pelo contrário me preparo para as subir. Como sempre, recorro ao método clássico para resolver este tipo de situação: Moeda ao ar. Caras. A subida ganhou. Subo furiosamente as escadas, convicto de ser para isso que ali estou. Subo e … bato com o nariz na porta. Acabo de me lembrar de que não tenho chave. Merda. Afinal estava a descer.
Fecho o livro. Odeio estes autores simplistas que resumem a vida a uma série aleatória de acontecimentos banais. Subo aqui… desço ali … bahhh. Preciso de consistência, de sentido. Desprezo todos aqueles que brincam com as palavras como se nelas não houvesse nem propósito nem sentido. Não posso deixar que as rasguem, que as amputem do seu intrínseco significado. As palavras , as frases , implicam um raciocínio , uma filosofia , um sentido. Habita nelas algo de nós, algo que lhes insuflamos. Alimentam-se de nós e nós delas com recíproco respeito e anuidade. “

- Juro-lhe Sr. Dr.. Foram estas as suas últimas palavras tal e qual lhas acabo de contar.
(…)
- Mas qual homem qual quê Sr. Dr. ??? Era um papagaio.
(…)
- Sim … um papagaio! Apareceu-me cá em casa.
(…)
- Olhe Sr. Dr. não sei , talvez tivesse fugido de casa …
(…)
- Sei lá Sr. Dr. . Quantos motivos haverá para se fugir de casa ??
(…)
- Sim … eu sei Sr. Dr. … Mas este era diferente. Veja lá que até cozinhava !?
(…)
- Não … não sei Sr . Dr. … não sei se fazia arroz de pato … mas fazia poemas… era também um poeta.
(…)
- Estou-lhe a dizer Sr. Dr ! Até me escreveu um poema e tudo! Quer que lho declame?


(…)
- Ora então cá vai :

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Mas qual totobola qual quê Sr. Dr.!!!!! É um poema. Está escrito em linguagem binária … a linguagem dos computadores … a linguagem do futuro!
(…)

- Bom Sr. Dr. … isso de acreditar já é consigo , mas se não me acredita … vá levar no cú.

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