Thursday, October 27, 2005

fotografia de Helena Antunes

fotografia de Suzana Costa

sem título - Gilberto Rodrigues

Encontramo-nos no ano 2497, vive-se o caos ao longo de todo o planeta terra.

Temos mais de um terço da população infectada por doenças mortais, as quais

Nem os clones dos melhores cientistas à face terra descobrem a cura

A fúria de Deus revela-se cobrindo a terra de grandes terramotos, violentos

furacões, gigantescos maremotos, vulcões entrando em erupção onde o calor é de

tal forma intenso que quem se aproxima morre carbonizado e tempestades

horríveis em que os trovões não param e os relâmpagos são eminentes. A
ciência

de biologia sabia que mais tarde ou mais cedo seria extinta a espécie
humana era

o fim, o final de tudo, o acabar de deus. Nesta altura temos maquinas mas
hoje

sabemos que não podemos dar-lhe sentimentos, mas a sua inteligência e
eficácia é

tanta que está a ajudar-nos na base lunar, onde também está a girar mais
depressa

e impossível de controlar, ninguém sabe bem porquê. Mas todos os
sobreviventes

sabiam que não há salvação.

Hoje os carros andam mais depressa, tal como os aviões, os computadores e
como

as nossas mentes que estão evoluídas de mais; Será o fim de tudo meu amigo,
de

tudo, de Deus.

Subitamente invocou-se um silencio total, em seguida o céu tornou-se muito
mais

claro, aparecendo a figura de Deus chorando lagrimas de Sangue.

No fim do grito de Deus, tudo morre, só as maquinas sobrevivem neste
planeta.

E com a ajuda dos evoluídos computadores, fazem uma hiper-nave com clones

prontos para nascer assim que se encontrar um planeta habitável, existe uma

hipótese, a admirável Andrómeda e entre os clones estou eu e neste planeta
novo,

seremos nós evoluídas pessoas que fazemos a nova criação, a nova geração e
deste

mundo um paraíso, o céu é azul mas temos dois sois e um é azul. E em breve


não somos humanos, mas sim outra criação onde voamos mas não temos asas,

onde amamos e sabemos perdoar, com novos seres e vida imortal e poderosa.

Pois o Amor de Deus é imortal e o poder nasceu connosco.

Ardem Foles - Filipe Meneses

Atiraste-me a noite
numa estaca
numa pedra em sangue
O fogo dos homens arde em casa
arde nas cabeças dos homens
Atiraste-me a noite
e eu ardi

Saturday, October 15, 2005

Diogo Campos - fotografias na Velha-A-Branca


sem título - Diogo Campos

O Futuro é:
o tempo que está para vir,
a existência que se há-de seguir à actual…
O que poderemos fazer
para o tornar melhor o que é considerado agora normal?

O Futuro não parecer ser risonho,
mas será que isso poderemos ainda mudar?
Logo se verá
o que ele nos vai reservar

Não se preocupem demasiado
com o que virá.
Vivam cada dia
e nunca se arrependam.

sem título - Filipe Castro

entre muitas, uma lenta película de pó voa sobre o quarto.
o canivete vermelho escrevinha linhas de vida no tecto e nas paredes.
o candeeiro branco de papel solta ideias e memórias.

O tempo veio passear-me pela mão.
vejo o reflexo do outro Inverno na persiana,
sinto o ontem no chão, sob a cama, os tapetes e os móveis.
(- escritor maldito, pára de escrevinhar no tecto, que ainda cais!)

as madeiras estalam as memórias dos mortos,
revelam os que moraram nesta casa,
exortam e os que habitam em mim.
(- vou rabiscar-te neste quarto!).

O berbequim do vizinho de cima traz as estradas de ontem.
Vim de sul para o norte, do passado para o futuro-presente,
Entre pontes e viadutos, traços contínuos e sinalizações.
(- sai daí!)

a película de pó ficou presa no vidro.
o amanhã está para além da janela.
o vento, as árvores, os vales e o céu são futuro.
(- já tenho muitas fatias de ti!)

(a lâmpada do candeeiro de papel branco fundiu-se)
não tenho futuro,
é ele que me tem a mim,
amigo que é do tempo que me passeia pela mão.

Friday, October 14, 2005

sem título - Maria Sê

Poderia passar uma eternidade a contemplar-te
A envolver-me contigo, a voar em teus cabelos e a embrenhar-me no teu corpo.
Porque me impeles para fora de ti?
Porque não me deixas pertencer-te?
Porque não me deixas sequer ser um dos teus seres?
Tu que te enfureces sem motivo superficial, sem que possa sequer chegar ao teu pé para te compreender, deixa-me ser como tu para te perceber…
Quero ter força como tu! Quero ser dotada da força dos teus braços, que correm pelos cabelos leitosos da praia agarrados à areia como se de tua amante se tratasse.
Tens dentro de ti um mundo que me fascina, que me faz sentir…
Em ti sufoco e sem ti morro… Amo-te e odeio-te.
Amo-te porque és belo, odeio-te porque te amo. O teu carácter despótico faz de mim subjugada às tuas vontades.
Um futuro aparente da certeza de um horizonte longínquo na minha vida faz com que sejas e serás a minha fonte de vida, o meu alento…
Ó mar porque me seduzes com tanta vontade e me encerras as portas do teu mundo?

sem título - Daniel Paio Maduro

Nunca me abandonam, estes meus amigos. Estão sempre presentes, eles são os meus momentos. A nossa relação não se extingue na amizade, existe como que uma cadeia alimentar entre nós. Este sistema alicerça-se no devorar do elemento mais fraco, e simultaneamente todos me consomem.O amigo - a que dou o nome de Pasto - é tranquilo e paciente, curador e destruidor, imenso e ausente. Tudo para ele tem um tempo. É estranho encontrar um ser completamente despojado de ansiedade e preocupação. Somente essa característica poderá justificar a passividade com que aceita ser diminuído a todos os momentos de mais um momento. O seu amigo mais próximo é verdadeiramente estranho, custa-me compreender como dois seres tão distintos se relacionam de uma forma tão doentia, o viver de um é simultaneamente a destruição de parte do outro. É do Rumina que vos falo, um ser completamente alucinado, com patologia de maníaco-depressivo. Vive em constante ansiedade acerca do que o Pasto lhe fará. Ora teme-o, ora deseja-o. No entanto, consome-o sofregamente com a cadência dos momentos. Existe uma energia transcendental que o empurra, que o puxa para ele, mas nunca o atinge. O Pasto é a presa, mas estranhamente a balança do poder pende para o seu lado – quando se esgota, todos terminamos.
Imaginem um torso, um ser desmembrado, encerrado num espaço, que cresce, aumenta, dilata, até que não há espaço para mais nada. Já conhecem o Gordo. É costume ouvir dizer que somos aquilo que comemos e o Gordo não é excepção. Houve fases da sua vida em que foi bem alimentado e, dessa forma, parte dele é saudável, abundante de boas recordações. Houve também fases de má alimentação, sem qualquer preocupação com o seu bem-estar, que o encheram de toxinas, azedume e azia. Este meu amigo possui uma característica pouco convencional, que tanto providencia estados de prazer, como estados de melancolia no Rumina. Ele regurgita aquilo que consome, mas não necessariamente pela ordem de entrada. Mais gravoso ainda, regurgita alimentos digeridos e alterados, que por vezes em nada correspondem ao alimento que supostamente lhe deu origem. Este regurgitar não é voluntário, é induzido pelo querer do Rumina. Porque deseja o Rumina o regurgitado do Gordo, e porque faz ele isso? O Rumina consome a montante e a jusante, o Pasto e o Gordo. Necessita do controlo, do poder, da suposta ordem que cria no caos em que vive. Ao atribuir razões e continuidade aos acontecimentos, cria um espaço de segurança, protege-se do Pasto. No entanto, é forçado a consumir o Pasto, de olhos vendados, até ao vómito. O regurgitar do Gordo é frequentemente consumido com livre arbítrio, excepto quando o vicio é mais forte que a sua própria vontade – a autocomiseração. Mas o Gordo prega-lhe partidas, é caprichoso, altera as memórias, apaga-as ou enfatiza-as. Acontece o impensável, o Gordo controla as acções do Rumina e desta forma escolhe a sua dieta, uma dieta desequilibrada, induzida por medos e preconceitos.
Esta cadeia alimentar tem um fim irremediavelmente previsto, a extinção do Pasto, do Rumina e por fim: o terminar da existência do Gordo por ausência de quem o alimente. Com o fim deles termino eu.
Resta-me o conforto de que a minha memória fará parte por tempo indeterminado dos amigos Gordos de outros como eu. Esta memoria como é evidente será deturpada pelo processo de regurgito desse Gordo.
Existem quem dê outros nomes a estes meus amigos: Futuro, Presente e Passado.

sem título - Helena Grego Ferreira

Pessoa, o poeta que andava sobre as águas,
saltitou em noite de insónia
pelo borrão de tinta que unia duas folhas de papel,
untou a pena em megalómanas engrenagense
fez-se álvaro de campos para ali desenhar segredo meu.
Assim me matou ontem o hoje da palavra
ao falar em verso do futuro, poema meu.
Poema meu seria dizer o que ele disse,
que «o presente é todo o passado e todo o futuro»,
que o futuro é hoje porque é hoje que o pensamos,
que o futuro é ontem porque já pensámos nele.
Ontem, sim, ontem,
porque o bacalhau ficou de molho desde ontem
para o comermos hoje e amanhã falarmos nele.
E que vom que é o vacalhau vracarense!
Poema meu é amar o futuro!
Poema meu é dizer que o futuro é meu!
Futuro belo, futuro trágico, futuro híbrido
do futuro que faço e do que Deus me deu.
Poema meu é dizer que o futuro é tudo,
que o futuro é fado e destino igualmente,
destino de todos os tempos existentes.
Quando o futuro é felicidade alcançada
ele é também o sonho lindo do presente.
Poema meu dizer que o futuro move o humano
pois ele é o bem e o mal que nós temos pela frente.
Futuro... Ai, futuro...
Quem não ama o futuro está doente.

semtítulo - S. C.

“Polícia do Estado. Abram a porta!”
Estavam a entrar em mais uma casa. Na passada semana tinham prendido os dois filhos do Sr. Antero, alfaiate, por suspeitas de envolvimento em actividades subversivas. Esta noite, a investida era no n.º 23 do Largo da Senhora-a-Branca.
Dentro da casa, o terror tomava conta de todos. Maria das Dores compreendeu que vinham por si. No escuro, trocou a camisa de noite por uma roupa de dia, e esperou que a levassem.
Ouviu o patrão assomar-se à janela do segundo andar, e gritar para os homens na rua: “Não disparem! A porta está trancada! Vou descer a abri-la”.
Os golpes de coronhadas na porta acalmaram por segundos, e ouviu-se o ranger grave do portão de ferro, seguido do arrastar da madeira, e de um tropel de passos a precipitar-se no rés-do-chão.
“É aqui que vive Maria das Dores Silva?” – grunhiu aquele que devia ser o chefe de pelotão. O patrão da casa assentiu e indicou-lhes, sem protestos, o quarto da criada, no 1.º andar.
Maria das Dores aguardava à porta do quarto, lívida, e deixou-se empurrar escada abaixo sem protestos. Saiu algemada para a rua, e entrou aos tropeções na carrinha que aguardava no passeio.
Já lá dentro, encostou o rosto ao vidro gelado, para tentar ver se tudo não passaria afinal de um sonho, e olhou uma última vez para a casa onde chegara há trinta anos atrás.
---



Tinha apenas sete anos. A mãe recomendara-lhe que obedecesse sempre aos patrões, que fosse bem comportada, que rezasse o terço todas as noites e pedisse sempre ao Senhor por ela e pelos seus oito irmãos. Maria das Dores fungava inconsolável enquanto a mãe lhe puxava as meias grossas de lã para o joelho, e lhe ajeitava o cobertor em torno do corpo, para tornar mais cómoda a viagem. Na mão colocaram-lhe um terço de contas de madeira, e ao seu lado uma trouxa de pano com alguma roupa, um santinho de papel e uma côdea de pão.
A criança chorou todo o caminho. O carro de bois arrastava-se por estradas de pedra e lama, e quase se desconjuntava de cada vez que uma roda encontrava um buraco. O espaço de carga estava todo ocupado com areia, retirada furtivamente do rio Cávado, para alimentar obras em curso na cidade.
A pequena nunca tinha saído da sua aldeia natal. Ouvia às vezes os adultos falarem das suas viagens a Braga para ver o médico, ou para visitar alguém no hospital. No imaginário das crianças da aldeia, Braga era a cidade onde se ia quando se ficava doente para já não voltar.
O dia amanhecia frio e chuvoso. A bruma começava a dispersar e deixava entrever a forma das primeiras casas, e de uma igreja. Vinte horas depois de deixar a casa de seus pais, Maria das Dores entrava finalmente nas ruas de Braga.
---

A Corda ao Pescoço - Pedro Teixeira

hoje pus um colar teu ao peito
nada mais importa
a realidade por todos os lados
da minha concentração de espelhos
eu a preocupar-me cada vez menos
tu e o mundo lá fora
saber que não vou ser capaz de sentir
sonhos e pessoas a encontrarem coisas
e coisas a perderem pessoas
por entre os dedos de coisas
que são iguais aos dedos de pessoas

Tuesday, October 11, 2005

Poema Experimental - Ana Margarida

O futuro é vício puro
e cheira ao esturro da chaleira fria
pousada na chama brilhante.
Está prestes a chegar, o futuro.
Vagueiam os olhos no horizonte
e vejo que afinal, é outro
o tempo que aparece.
Do Futuro mais Passado nasce o Presente[1].
- conta a minha visita, distraída entre
o bolinho de cenoura e o sumo de melão
com menta.
Encostados um ao outro, seguimos a conversa
das condições climatéricas,
encalhando no Adamastor e noutras ilusões,
terminando, como quase sempre,
na terra natal de tudo que pode acontecer.


[1] Fu+Pa=Pr

visita à casa

solicito aos meus caros amigos que tiraram boas e sugestivas fotografias à casa da velha, o favor de as ceder (não todas, uma pequena selecção), para ilustração emblemática do nosso blogue. podem fazê-lo para o meu email: correio@valterhugomae.com.
obrigado

sem título - Liliana Meira

O futuro… Um tema tão vasto numa só palavra… Uma amálgama de emoções, de sensações e de pensamentos soltos que tende a assustar o mais resiliente dos seres humanos… Diz-se e escreve-se tanta coisa com a palavra futuro…
Se há tema que transparece de ambivalência é o futuro: motiva-nos, mas assusta-nos; desafia-nos, mas faz-nos temer consequências; entusiasma-nos, mas faz-nos antecipar a frustração… Será este o seu segredo como tema central da experiência de vida humana? A sua ambivalência… A mais potente fórmula sentimental: desafio versus medo.

Inspiração, falta-me inspiração… Não sei como desenvolver este texto… Sinto o pensamento vazio de palavras concretas e de inércia criativa…

O momento presente. Vou falar do momento presente… Daquele ponto da experiência em que a experiência emerge à consciência e nos faz sentir nós em experiência… O segredo do futuro está no presente, e o segredo do presente nos microsegundos de consciência acronológica onde o passado se cruza com a projecção do futuro, resultando no milagre da consciência de mim. O presente… O passado… O futuro… Tudo no presente, no aqui e agora do privilégio do ser-se pessoa… No limite, e traduzindo à letra o que sinto quando penso, um campo povoado de múltiplas vozes, umas recuperadas do passado, outras projectadas do futuro, no entanto, todas em co-interacção permanente em mim no presente… O futuro mais não será o que eu projecto de mim como possível ou ideal, contemplando o que já fui e vi dentro das múltiplas histórias e versões das mesmas possíveis do passado, que hoje experiencio e integro neste todo que é sentir-me…Estou sem inspiração… Não consigo mais…

sem título - Ana Portocarrero

Passaram 3 horas... Ou seriam 10 minutos? O tempo perdia-se, passava por mim lentamente, minuto a minuto, segundo a segundo... Tic, Tac, Tic, Tac... O escuro não me assustava; divertia-me, até. Entrava um só rasgo de luz por uma frincha pequenina, a minha passagem para o Mundo, que magicava contornos e formas à minha volta. Experimentei os dedos destreinados contra a parede e, num segundo (ou seriam 2 minutos?), fizeram-se as sombras. Vi os cãezinhos, os patinhos, aves de largas asas que, ao contrário de mim, saíam dali, voavam, desapareciam com um simples desfazer de mãos. Fartei-me...
Fechei os olhos com toda a minha força e puxei as cordas da guitarra inexistente, como tantas vezes fazia sozinha no meu quarto. Eu compunha as canções de embalar... Ouvia, da minha cama, os risos e conversas dos meus pais e amigos na sala de jantar e a cada gargalhada atribuía um tom, a cada tilintar de copos um ritmo e a música surgia por si. Mas aqui o som saía abafado, o silêncio era mais forte... Parti duas cordas...
Lembrei-me de um filme que tinha visto em que uma rapariga, exactamente da minha idade, se encontrava na mesma situação que eu. Claro que isto da ficção tem as suas vantagens e, nos recônditos da sua mochila, a rapariga tinha uma bola de cristal. Brincou com as mãos, tal como eu fazia com as minhas sombras chinesas, arregalou os olhos negros, abriu um sorriso e abriu-se uma porta. Mas eu não conseguia ver o meu futuro na parede, esperava pela sorte... Procurei na minha mochila mas só encontrei um bloco de notas. Estava escuro...
Tinham passado 3 horas (ou seriam 10 minutos?) quando um "clic" meio tímido fez da sorte o meu destino. A luz acendeu e a porta abriu. Saí no 5º andar e olhei para trás. A porta fechou-se em 2 segundos e o elevador seguiu viagem.

Temporalidade - Rita Conde

Resisti à passagem do tempo, andei em contra-mão.
Tolhi o corpo infante, detive o juízo simples e pueril.
Na era da vida fiquei por Março, não cheguei a Abril.
Vê…! Estou ainda no Adro da Igreja a jogar ao Balão!

Os brinquedos dispersos encontram-se ainda pelo chão.
Faço e desfaço aquele infindável Puzzle de peças mil.
Sustento os temores e venturas do imaginário infantil
E só na tua cama adormeço o medo da eterna escuridão.

Fiquei a tua menina, “vó”! Vê, recusei-me a crescer!
Não aspirei nada mais além que o teu meigo cuidar.
Mantive tudo com apego… só para te não ver morrer!

Mas o tempo pesou… e não consegui por ti e em ti travar
O despontar do termo, o futuro certo e atroz de envelhecer.
E pequenina estou, como quando tardavas, nas escadas a chorar…

O Futuro - Abílio Brito

Devoro o meu futuro ao pequeno-almoço
Como-o devagar e silenciosamente
Entre os cornflakes e o pão quente

Se me esqueço de o comer vários dias
Torna-se tão grande que se nota por fora
Como um defeito físico
Olham-me o futuro demasiado grande
A sair do corpo
Difícil é comê-lo todo de uma só vez
Mas é indispensável parar e meter mãos à tarefa

Quando o futuro cresce demais
E não há tempo de o devorarmos inteiro
Deve dar-se-lhe pequenas dentadinhas logo de manhã
Transportá-lo escondido na sacola para a escola
Aproveitar os intervalos para o roer
É suficiente para que ele se mantenha em dimensões razoáveis
E não nos devore

É uma questão de técnica
Com o tempo aprendemos a fazê-lo
A manter o futuro dentro das dimensões possíveis
Para que ele possa caminhar connosco
Sem nos complicar demasiado a existência diária

Às vezes troco de futuro. Descardealizo-me.

Colo o futuro que não é meu à entrada de casa
Colo o futuro que não é meu à entrada de mim
Colo o futuro que não é meu aos dias próximos
Colo até caminhar certo com o futuro que não é meu

O meu futuro não é o meu futuro
É o futuro que eu construí resistindo ao meu futuro

Há um futuro para cada um de nós
Que nós conhecemos sem dizer palavra

É falso que haja várias possibilidades de futuro
Se fossemos por aqui
Ou se deixássemos de ir por ali
O nosso futuro não seria outro

A estrada das possibilidades é a nossa estrada e não outra
Abre-nos as nossas possibilidades e não outras
Fatalmente caímos no que somos
E nas possibilidades que o que somos nos dá

O meu futuro diz-me que por mais voltas que eu dê
Vou acabar sempre da mesma forma
Que me há-de vestir um dia
Que o hei-de vestir um dia

O que eu vivo não é o futuro
É a minha forma de lhe resistir

O vazio por pouco não me cegava - Pedro Araújo

“ O vazio por pouco não me cegava. Ali no centro, ou no que poderia ser o centro se algum redor houvesse, sentava-me proscrito na teia ainda por cerzir. Um halo fétido cintilava na surdina. Os cinco sentidos difusos buscavam o seu albergue e eu cúmplice fitava-os, ainda que ofuscado pelo torpor da cegueira.
Acordo. Levanto-me rapidamente. Visto-me e saio com pressa. Não sei muito bem porque raio tenho pressa, mas neste mundo acelerado quem não tem pressa não é ninguém. A porta acaba de bater atrás de mim e eu acabo de me lembrar de que não tenho chave. Não faz mal. Chamo os bombeiros como da ultima vez. Enfrento as escadas. De súbito olho o corrimão e desafio-o para uma descida desgarrada. Mas não. Hoje não. É segunda-feira e ainda não foi encerado. Dois dentes a menos e uma radiografia de uma costela partida lembram-me e convencem-me que não é uma boa ideia descer por um corrimão por encerar. Sem alternativa, desço com todo o gás a escada em caracol. Desço com tanto gás que quando finalmente chego lá em baixo e paro para descansar já não me lembro se as acabo de descer ou se pelo contrário me preparo para as subir. Como sempre, recorro ao método clássico para resolver este tipo de situação: Moeda ao ar. Caras. A subida ganhou. Subo furiosamente as escadas, convicto de ser para isso que ali estou. Subo e … bato com o nariz na porta. Acabo de me lembrar de que não tenho chave. Merda. Afinal estava a descer.
Fecho o livro. Odeio estes autores simplistas que resumem a vida a uma série aleatória de acontecimentos banais. Subo aqui… desço ali … bahhh. Preciso de consistência, de sentido. Desprezo todos aqueles que brincam com as palavras como se nelas não houvesse nem propósito nem sentido. Não posso deixar que as rasguem, que as amputem do seu intrínseco significado. As palavras , as frases , implicam um raciocínio , uma filosofia , um sentido. Habita nelas algo de nós, algo que lhes insuflamos. Alimentam-se de nós e nós delas com recíproco respeito e anuidade. “

- Juro-lhe Sr. Dr.. Foram estas as suas últimas palavras tal e qual lhas acabo de contar.
(…)
- Mas qual homem qual quê Sr. Dr. ??? Era um papagaio.
(…)
- Sim … um papagaio! Apareceu-me cá em casa.
(…)
- Olhe Sr. Dr. não sei , talvez tivesse fugido de casa …
(…)
- Sei lá Sr. Dr. . Quantos motivos haverá para se fugir de casa ??
(…)
- Sim … eu sei Sr. Dr. … Mas este era diferente. Veja lá que até cozinhava !?
(…)
- Não … não sei Sr . Dr. … não sei se fazia arroz de pato … mas fazia poemas… era também um poeta.
(…)
- Estou-lhe a dizer Sr. Dr ! Até me escreveu um poema e tudo! Quer que lho declame?


(…)
- Ora então cá vai :

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Mas qual totobola qual quê Sr. Dr.!!!!! É um poema. Está escrito em linguagem binária … a linguagem dos computadores … a linguagem do futuro!
(…)

- Bom Sr. Dr. … isso de acreditar já é consigo , mas se não me acredita … vá levar no cú.